[---- 36 anos, coimbra, pt, poeta. ----]
a mim, a palavra parece francesa
como se contivesse um acento tônico no a.
não é uma palavra molhada
como grama, pedregulho ou mesmo manhã e brisa
ela aponta para o céu, ao invés de cobiçar a terra:
é uma palavra que enleva.
entristece a sujeira,
não a chuva, que lava.
para quem vê melancolia através dela
penso que nunca correu por campos verdes sendo encharcado por ela.
A vida olhada à distância, minha ou sua
os quinze minutos de uma vela acesa.
O importante é manter algum humor
enquanto pelas pernas escorre a cêra.
Gabriela se achava uma porta:
se abria aos homens.
Ela se achava uma porta, a Gabriela.
Se abria aos homens.
Mas era só uma janela,
por onde eles viam horizontes
de pálida cor amarela.
Queria escrever ou descrever agora
toda angústia que se aninha em minh'alma.
Estou cá, deixando definhar meus anos mais enérgicos,
me embededando de conhecimento, olhando no espelho e me sentindo patético.
Mas meu mal, ora vejam, não é total.
Ainda à pouco escorregou pela minha cama uma moça
cuja pele silvava como louça.
Fustiguei-lhe o corpo, nutri-me de sua entrega,
fiz com que tateasse no clarão do gozo parecendo uma cega.
Deleitamo-nos do momento - um raio no breu da madrugada,
e ficamos felizes, no enxerto da entrega mensurada.
Porém nos abandonamos, fomos cada qual para o seu canto,
e amanhã, e durante a semana, essa lembrança será um acalanto.
Não estaremos sempre juntos, não queremos isto.
Um filho em nós reclama o imprevisto.
A angústia, no fim, é a partida.
É isso, a vida?