[---- 36 anos, coimbra, pt, poeta. ----]
mas não me desperdiço
no cimo da agonia, da razão
do azar da dor
dostoiévski
marquês de Sade
miller
bukowski
..................... passo, piso a pedra
..................... a terra suja as minhas frieiras
melhor assim
pior seria
também não tê-las
Queria escrever ou descrever agora
toda angústia que se aninha em minh'alma.
Estou cá, deixando definhar meus anos mais enérgicos,
me embededando de conhecimento, olhando no espelho e me sentindo patético.
Mas meu mal, ora vejam, não é total.
Ainda à pouco escorregou pela minha cama uma moça
cuja pele silvava como louça.
Fustiguei-lhe o corpo, nutri-me de sua entrega,
fiz com que tateasse no clarão do gozo parecendo uma cega.
Deleitamo-nos do momento - um raio no breu da madrugada,
e ficamos felizes, no enxerto da entrega mensurada.
Porém nos abandonamos, fomos cada qual para o seu canto,
e amanhã, e durante a semana, essa lembrança será um acalanto.
Não estaremos sempre juntos, não queremos isto.
Um filho em nós reclama o imprevisto.
A angústia, no fim, é a partida.
É isso, a vida?
Bia, meu caro. Estou com problemas. Receio estar perdidamente apaixonado. Uma paixão à portuguesa, que é diferente, creia, das que se tem em seu país. As paixões são diferentes, amigo. No Brasil imagino paixões fugazes e infidelidades. Infidelidade é apenas um termo que nos permite entender novas paixões paralelas. O brasileiro, creio, suporta paixões paralelas. Bilaterais.
O português de cá quando ama fica triste e melancólico. Acha que vai morrer desse sentimento. E não admite traições de qualquer tipo. No caso de havê-las, a paixão não acaba, mas a união se dissolve de maneira definitiva e o desiludido passa por muitos tempos triste, triste. Uma tristeza doída. E demora a passar.
Então eu estava na praça Colombo, cá em Coimbra, e as árvores estavam bastante floridas. Acordei tarde como de costume e não tomei café, apenas um copo de água. Com um jornal no colo fiquei vendo os pássaros e respirando. Pensei em escrever um poema que começa com "ninguém vê, mas o canto do pássaro e a flor que caem continuam". A continuidade de uma beleza que independe do olhar. Uma idéia.
E minha mente se soltou um pouco. Fiquei fitando o horizonte. Sem esperar passou por mim, quase como se me esbarrasse, uma menina e sua mãe. Uma menina de minha idade ou quase. Com cabelos louros lisos e uma blusa vermelha. E quase não lhe vi o rosto.
Quando passou e me assustei a mãe virou o rosto e me fitou e foi como se lhe conhecesse. Mas não, chequei depois mentalmente. E fui seguindo com o olhar o corpo frágil e fino da menina que não se virou. Dela, vi pouco mais que um semi-perfil. No momento minhas narinas se abriram e pude sentir seu perfume. E é por ela que estou apaixonado.
Tenho essa certeza de que não a encontrarei novamente. Voltei à praça algumas vezes depois, no mesmo horário e em outros. Mas nada dela.
E vislumbrei por um momento que poderia ser feliz com ela por toda a vida; e que seria perfeito meu existir do seu lado e teríamos filhos e netos e ela me beijaria antes de dormir na cama quente. E no verão tomaríamos sol na praia de Alcântara.
Você bem sabe que nunca fui desses destinos. Sempre me imaginei sózinho e me bastando. Amando todas as mulheres o quanto pudesse.
Bem, a minha loura passou como o sentimento.
Posso
Fechar os olhos e sonhar?
Posso
Ter prazer na brisa em meu rosto
Em olhar no espelho
Em mexer no teu cabelo?
Será que um dia poderei
Acordar e saber que, à tarde,
Te verei?
Posso contar com seu gosto
Antes de um filme ou depois do almoço?
Posso achar ainda que a vida vale a pena e etc...?
Posso te convidar um dia para passear de bicicleta?
Você deixa?
Em terra de cego nenhuma ilusão de ótica sobrevive.