[---- 36 anos, coimbra, pt, poeta. ----]
Bia, meu caro. Estou com problemas. Receio estar perdidamente apaixonado. Uma paixão à portuguesa, que é diferente, creia, das que se tem em seu país. As paixões são diferentes, amigo. No Brasil imagino paixões fugazes e infidelidades. Infidelidade é apenas um termo que nos permite entender novas paixões paralelas. O brasileiro, creio, suporta paixões paralelas. Bilaterais.
O português de cá quando ama fica triste e melancólico. Acha que vai morrer desse sentimento. E não admite traições de qualquer tipo. No caso de havê-las, a paixão não acaba, mas a união se dissolve de maneira definitiva e o desiludido passa por muitos tempos triste, triste. Uma tristeza doída. E demora a passar.
Então eu estava na praça Colombo, cá em Coimbra, e as árvores estavam bastante floridas. Acordei tarde como de costume e não tomei café, apenas um copo de água. Com um jornal no colo fiquei vendo os pássaros e respirando. Pensei em escrever um poema que começa com "ninguém vê, mas o canto do pássaro e a flor que caem continuam". A continuidade de uma beleza que independe do olhar. Uma idéia.
E minha mente se soltou um pouco. Fiquei fitando o horizonte. Sem esperar passou por mim, quase como se me esbarrasse, uma menina e sua mãe. Uma menina de minha idade ou quase. Com cabelos louros lisos e uma blusa vermelha. E quase não lhe vi o rosto.
Quando passou e me assustei a mãe virou o rosto e me fitou e foi como se lhe conhecesse. Mas não, chequei depois mentalmente. E fui seguindo com o olhar o corpo frágil e fino da menina que não se virou. Dela, vi pouco mais que um semi-perfil. No momento minhas narinas se abriram e pude sentir seu perfume. E é por ela que estou apaixonado.
Tenho essa certeza de que não a encontrarei novamente. Voltei à praça algumas vezes depois, no mesmo horário e em outros. Mas nada dela.
E vislumbrei por um momento que poderia ser feliz com ela por toda a vida; e que seria perfeito meu existir do seu lado e teríamos filhos e netos e ela me beijaria antes de dormir na cama quente. E no verão tomaríamos sol na praia de Alcântara.
Você bem sabe que nunca fui desses destinos. Sempre me imaginei sózinho e me bastando. Amando todas as mulheres o quanto pudesse.
Bem, a minha loura passou como o sentimento.